No início do mês, grupo reestruturou dívidas que ameaçavam continuidade da operação

Na sala de reunião de um hotel em São Paulo, o CEO global da Tupperware vira uma embalagem plástica cheia de água na cabeça para demonstrar a eficiência de vedação. “Nem uma gota”, diz Miguel Fernandez ao Pipeline, site de negócios do Valor, mostrando o produto que vai concorrer com as sacolinhas Ziplock com apelo da reutilização e um lacre patenteado.

A cena provavelmente vai se repetir algumas vezes. Fernandez deu início a um “roadshow” mundial, mas a proposta desta vez não é seduzir investidores, e sim retomar a confiança das revendedoras após a companhia afastar o risco de falência.

“Estamos, de fato, relançando a empresa e comunicando a nossa força de vendas e aos distribuidores que estamos comprometidos, convidando-os a se engajarem nesse movimento, estimulando seu trabalho com promoções especiais, lançamentos de produtos e assim por diante”, diz o executivo. Não à toa o país é uma das primeiras paradas da turnê.

O Brasil é a tampa do pote da Tupperware. É aqui que fica o maior número de revendedores da companhia – 150 mil representantes – e também o maior público consumidor. Em 2022, os brasileiros responderam pelo maior volume de vendas do grupo em todo o mundo e, neste ano, o pódio está sendo disputado com o México.

Como parte dos incentivos, a Tupperware está oferecendo preços promocionais aos revendedores e prêmios, como viagens internacionais, para aqueles que apresentarem as melhores performances. Há algum tempo, a empresa tem criado facilitadores para que sua força de vendas consiga se digitalizar. Já é possível mandar o catálogo completo por WhatsApp ou outra plataforma, ou ainda abrir uma loja on-line própria, onde o cliente compra pelo celular, mas a venda é da representante.

A Tupperware também tenta não achatar a renda de seus revendedores enquanto busca diversificar canais. Nos Estados Unidos, a companhia passou a vender na Target e tem considerado entrar em outras varejistas – uma estratégia de ativação, segundo o CEO. A companhia também aposta em lojas físicas para reforçar a marca.

No México, já são 12 lojas, uma iniciativa que pode chegar em breve ao Brasil, diz o executivo. Por aqui, já há sete lojas licenciadas pela companhia a distribuidores, mas a Tupperware pode ter lojas conceito próprias.

Engenheiro de formação, Fernandez é um especialista em venda direta. Foi vice-presidente da Herbalife, onde trabalhou quase uma década, e CEO global da Avon, até a venda da empresa para a Natura. Na Tupperware, assumiu o comando uma semana antes do início do “lockdown”, em 2020.

A missão tem sido dura. Em abril, a companhia apontou “dúvidas substanciais sobre a capacidade de continuar operando”, dado que sua dívida passou dos US$ 705 milhões em 2022. No mês seguinte, a Moelis&Co foi contratada para planejar a reestruturação.

No início de agosto, a Tupperware anunciou um acordo com credores que reduziu em US$ 150 milhões seu custo financeiro e liberou acesso a US$ 21 milhões em novo crédito. A reestruturação também estendeu o vencimento de US$ 348 milhões em dois anos, para 2027, e reduziu pagamentos de amortização exigidos até 2025 em cerca de US$ 55 milhões.

“Passamos por um período financeiro difícil, mas tivemos a oportunidade de reestruturar a dívida e ganhar tempo mais do que suficiente para honrar os compromissos”, diz Fernandez. “Isso nos dá muita liberdade e flexibilidade para voltar a investir no negócio.”

No ano fiscal de 2022, as vendas líquidas totais foram de US$ 1,3 bilhão, uma redução de 18% sobre o exercício anterior. A receita na América do Sul cresceu 10%, puxada por outros países que não o Brasil, onde as vendas ficaram estáveis, informa a companhia em seu relatório de resultados. A empresa encerrou o ano passado com prejuízo líquido de US$ 14,2 milhões.

Além das dificuldades financeiras, suas ações viraram especulação pura, entrando no grupo das “meme stocks”. A ação subiu mais de 350% entre 23 e 28 de julho. Em alguns pregões, o volume negociado atingiu cinco vezes o free float.

“Não sabemos o porquê. Não anunciamos nada na época, não há nada de novo. E tive de explicar isso às autoridades, que estavam me ligando”, diz, com um sorriso desconcertado. “O único fator que percebemos, nos EUA, foi uma reação muito positiva do consumidor, quando expressamos as preocupações com relação ao financeiro da empresa. É uma marca americana autêntica, que as pessoas querem resgatar. Vimos uma alta imediata na demanda.”

A companhia também tem endereçado a demanda de novas gerações por sustentabilidade, com novos potes de vidro temperado com tampa de bambu, por exemplo. Além disso, diz o CEO, tem tentado explicar que nem todo plástico é igual, diferenciando o material virtualmente inquebrável que fez a marca ficar conhecida. “Eu e você vamos morrer muito antes que essa garrafa deixe de ser útil”, disse, brindando com água, agora em outro recipiente da marca.